Um causo de medo, bala e lama – por M.C. Garcia
Há
histórias que nascem do medo e outras da imaginação... mas algumas, como esta,
nascem do medo misturado com a imaginação — e umas boas doses
de valentia sem juízo.
Dizem que
em toda fazenda do interior existe um lugar onde até o vento evita passar.
Naqueles tempos de moço, meu tio Zequinha jurava que esse lugar era a ribanceira
do Tião, caminho obrigatório pra quem quisesse chegar à sede da fazenda
Juquiá — e, naquela noite, também ao tão falado baile da sede.
O povo
dizia que, à meia-noite em ponto, um caixão descia ribanceira abaixo,
batendo, tombando, até parar bem no meio do caminho.
E o pior: o morto saía dele correndo atrás de quem passasse.
História de assombração, claro. Mas, como todo bom moço teimoso — e como ele
mesmo dizia, “baixinho, é problema.” —, Zequinha resolveu ir assim mesmo.
Na ida,
tudo tranquilo.
O céu estava enluarado, e a sanfona já se ouvia de longe.
Mas durante o baile, o tempo virou.
Relampeava, trovão pra todo lado, e quando o relógio marcou 23h45,
o riso virou receio.
— É agora que o defunto desce — cochichou alguém, empalidecendo.
E, claro,
lá foram eles, voltando debaixo de chuva, as botas afundando na lama e o
coração batendo mais forte que zabumba de sanfoneiro animado.
Foi
quando ouviram.
Um estalo.
Depois, um arrasto.
E, por fim, o caixão despencando ribanceira abaixo, como se o
próprio inferno tivesse resolvido brincar de rolimã.
A tampa
se abriu.
O defunto levantou.
E o Zequinha, sem pensar duas vezes, sacou o revólver —
porque, como ele dizia, “valente não foge, mas também não abraça defunto”.
— Quero
ver se bala não espanta alma! — gritou.
E tome
tiro!
Pá! Pá! Pá!
O defunto, assustado, tentou subir o barranco, mas o chão estava puro sabão.
Subia um palmo, escorregava dois. Parecia dançar furdunço com o próprio barro.
De
repente, surgiram duas almas penadas lá no alto, tentando puxar o
coitado do defunto. Mas bastou Zequinha mirar de novo que os dois dispararam
na corrida, sumindo no mato, deixando o “morto” patinando sozinho.
O
tiroteio comeu solto.
O defunto, agora mais vivo do que nunca, deu um salto digno de atleta e sumiu
ribanceira acima, deixando um rastro de lama, pólvora e vergonha alheia.
No dia
seguinte, o povo ainda comentava o feito.
Uns diziam que era almas penadas.
Outros, que elas estavam correndo até agora..
Mas os mais malvados afirmavam que o susto que o defunto levou, “se
não morreu do coração, é porque já tava morto”.
E, desde
então, ninguém mais viu o caixão descendo a ribanceira...
Mas, toda vez que chove, o barro lá parece mexer sozinho.
E o povo diz que é o defunto — tentando não escorregar de novo.
Nota do autor
Histórias
como essa me lembram que o medo e o riso caminham lado a lado — e que, às
vezes, o melhor antídoto contra o sobrenatural é uma boa risada e uma coragem
teimosa.
Só
lembrando, Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens,
lugares e incidentes são produtos da imaginação do autor e são usados ficticiamente,
e qualquer semelhança com pessoas reais, vivas ou mortas, eventos ou locais é
mera coincidência.
Vai que aconteceu mesmo! E melhor deixar o
lembrete.
Na Forja
das Histórias, cada conto é um golpe no ferro quente da memória — e este,
certamente, foi forjado com pólvora, barro e gargalhada
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